sábado, 20 de setembro de 2008

A Alma e o Baú

Diz o velho provérbio árabe : Os cães ladram e a caravana passa...
Ou, nas na soberba versão de Mário Quintana em seu magistral poeminha do contra:
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!


Até agora, tudo de boa. Ainda não entendi como, mas o convenci a ligar o foda-se.  Não o convenci a se fingir de morto e nem tomar conciência. O lado masoqusita dele ainda não foi domado e ele ficou lendo as milhares de baboseiras que foram escritas por ai. Mas não se deu o trabalho de responder, o que já foi um incomensurável avanço.

Eu é que fiquei tentada, depois de ler algo que ele lia e que me deu uma vontade imensa de gargalhar (meio de pena, meio de raiva)... Ai me lembrei daquele dito do "Democracia demais dá câncer..." e fiquei pensando como as pessoas tem uma noção deturpada e infantil de coisas como liberdade e o jeito que o mundo funciona. Depois sou eu, segundo o Munrah, é que não sei como funciona o mundo dos adultos... 

A resposta ficou entalada na minha boca. Uma vontade enorme de apertar um reply imaginário. Me faltou o desprendimento que eu almejo, o de simplesmente ignorar, o de viver aquela sensação extra-corpórea de quem está de fato, além daquela mesquinharia toda. Eu me agarrei ao meu baú. Quis contar a história. Quis dar uma satisfação, como se de fato fosse necessário. E não era.  É que era tão surreal. Era quase como perguntar com que direito eu mando na minha casa onde eu a mantenho funcionando e pago as contas. E eu quase fui responder a visita que eu era a dona da casa porque quem pagava por ela era eu. Simples assim.  Mais surreal do que uma visita questionar isso fui eu me sentir tentada a responder. 

Eu ainda não estou lá. Minha alma ainda está de certa forma presa ao meu baú, por mais que que queira acreditar que não.  Mas pelo menos eu tenho a consciência de que tenho um baú que preciso perder. Melhor do que uns e outros, que se agarram a baús que nem seu são...

Meu guru espiritual já deu a dica. Falta eu alcançar esse estágio. E estar espelho contra espelho afinal. 

A Alma e o Baú
Tu que tão sentida e repetida e voluptuosamente te entristeces e adoeces de ti,
É preciso rasgar essas vestes de dó,
As penas é preciso raspar com um casco, uma
Por uma: são
Crostas...
E sobre a carne viva
Nenhuma ternura sopre.
Que ninguém acorra.
Ninguém, biblicamente, com seus bálsamos e olores
Ah, tu com tuas cousas e lousas, teus badulaques, teus ais ornamentais, tuas rimas,
Esse guizos de louco...
A tua alma (tua?) olha-te simplismente.
Alheia e fiel como um espelho.
Por supremo pudor, despe-te, despe-te, quanto mais nu, mais tu,
Despoja-se mais e mais.
Até a invisibilidade.
Até que fiquem só espelho contra espelho
num puro amor isento de qualquer imagem.
- Mestre, dize-me... E isso tudo valerá acaso a perda do meu baú?
(Mário Quintana)



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